sexta-feira, maio 20, 2016

Carta ao senhor cardeal

Caro bispo de Lisboa,


Vinho incomodá-lo a propósito de um valor que percebi que era um grande defensor, depois de o ouvir dirigir-se aos seus fiéis, em Fátima, o da liberdade de escolha. Disse o cardeal em conferência de imprensa que "O papa é claríssimo sobre o direito e a responsabilidade dos pais, inalienável, diz ele, na educação dos filhos e na escolha do tipo de ensino para os filhos. E que o Estado deve ser subsidiário desse direito dos pais. E este ponto, que o papa vinca tão fortemente, é que é o principal". Pois, acontece que independentemente da simpatia que possa ter pelo papa, tenho de o informar que o seu vínculo hierárquico ao chefe máximo da sua Igreja, neste caso o chefe de um Estado estrangeiro, não se sobrepõe à nossa Constituição, uma pobre Constituição que nos últimos tempos foi sistematicamente desrespeitada, sem que eu tenha ouvido qualquer manifestação de incómodo por parte do Bispo de Lisboa.

É sempre bom ouvir as palavras liberdade e escolha na boca de um clérigo com as suas responsabilidades, o senhor cardeal sabe muito bem que em muitos domínios da vida a opção da sua Igreja é oposta à liberdade de escolha. Pior ainda, não só quer vincular os seus crentes às determinações da hierarquia da sua Igrejas, como pretende transformá-las em direito penal aplicável a crentes e não crentes, a católicos e infiéis, com o se de uma sharia se tratasse. Mas não é esse o tema que aqui me traz e não o vou provocar, seria uma deselegância da minha parte fazer aquilo a que o povo designa "tratar o cão com o pêlo do próprio cão", ambos sabemos que a muitas liberdades de escolha tão legítimas como aquela que agora defende o senhor cardeal responde com um  "vade retro Santanas".

Também não o vou incomodar com os meus próprios incómodos de natureza mais política, faz-me confusão quero ouvi-lo tivesse tido a sensação de estar a ouvir um deputado do CDS no parlamento. Enfim, espero que um dia destes as suas homilias passem a ser lidas por Assunção Cristas no parlamento, enquanto a intervenções da líder parlamentar da líder do CDS passam a ser homilias nas suas missas na Igreja de Santa Maria Maior. Enfim, não é a primeira vez que a Igreja toma posição na política, ainda recentemente o senhor cardeal meteu-se no tema da formação do governo, dizendo o que considerava serem coligações mais naturais e menos naturais. Enfim, está no seu direito.
Mas a verdade é que discordo de muito pouco das opiniões do senhor cardeal, pelo menos enquanto essas opiniões são dirigidas a fieis que, por definição, estarão obrigados a um princípio de obediência em relação à Igreja. Também tenho de reconhecer que em muitos domínios da intervenção da Igreja assenta em preocupações que decorrem de valores de que eu partilho, já concordei com muitas intervenções públicas de numerosos clérigos. Recentemente concordei muitas vezes com intervenções do bispo Januário Torgal Ferreira e até senti muita pena que nessas ocasiões e ao contrário do que sucedeu quando da formação do último governo, o senhor cardeal tenha ficado sistematicamente em silêncio.

Mas vamos esquecer essas divergências e vou pedir-lhe que peça às instituições religiosas com responsabilidades no ensino que pratiquem a defesa da liberdade de escolha nas suas escolas, que promova a construção de escolas em concelho onde não há classe média com recursos para promover melhores condições para os seus filhos acederem às universidades públicas. Era bom que os colégios caros da Igreja recebessem a mesma percentagem de crianças com deficiências que as escolas públicas recebem. Sugiro, por exemplo, que o Colégio São João de Brito receba alunos de bairros problemáticos e tenha com eles a mesma paciência cristã que tenham as escolas públicas.