terça-feira, outubro 24, 2006

Dura Lex? Simplex A Lex!

A propósito da benesse concedida à banca pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais recebi um mail que diz quase tudo quanto há a dizer:

«Daqui por uma hora estarei sentado ao balcão das execuções fiscais de um dos 60 serviço de finanças estratégicos deste pais, peço que me diga com que cara recebo as pessoas a quem penhorei contas bancárias, créditos e casas???

Depois do quem reclama tem a conta vasculhada, agora temos o perdão com mais 70 dias para aproveitar ate ao fim do ano... assim não da, não há moral ética nada que resista a tanta incompetência e desrespeito pelo povo.

Lanço-lhe o desafio de escrever um artigo no seu blog exigindo a demissão do secretário de estado, pois sei que é um homem da "família dos impostos" e estas coisas doem-nos de forma muito particular, especialmente as tropas de infantaria...»

Parece que para a banca o que conta não é a lei mas sim a sua interpretação, ou melhor, a interpretação mais vantajosa para os seus interesses. O comunicado do ministério das Finanças é uma obra-prima da mentira, como se costuma dizer, uma boa mentira tem sempre um pouco de verdade, e o referido comunicado tem lá toda a mentira e toda a verdade, é, portanto, a mentira mais honesta que já li.

Vejamos:

Como se depreende da leitura do comunicado houve um serviço que interpretou a lei decidiu-se pela sua aplicação. O banco visado recorreu da decisão e deste recurso resultou uma conclusão obtusa:

«Concluiu-se que não seria exigível imposto relativamente à retenção na fonte sobre juros de obrigações emitidas por aquela entidade através da sua sucursal no exterior. Com efeito, o facto de não ser conhecido qualquer entendimento da Administração Fiscal sobre esta matéria, bem como a susceptibilidade de utilização para o mesmo fim de outras vias isentas de tributação, criaram a forte convicção de que o regime fiscal aplicável seria o da não obrigação de retenção na fonte, por deverem legalmente os juros ser considerados como obtidos fora do território nacional, em aplicação do n.º 4 do artigo 4.º do Código do IRC.»

A Administração Fiscal conclui que uma lei da República não se deve aplicar antes de ela própria a interpretar, ainda que essa interpretação vá no sentido da cobrança do imposto, ou seja, dando razão ao serviço que o liquidou. Mas como achou que a dúvida foi de boa fé, o banco não só devia ficar isento do pagamento do imposto em dívida como a cobrança do mesmo só deverá ocorrer a partir do próximo ano:

«A delimitação temporal da aplicação desta interpretação prende-se, justamente, com o fundamento expresso na alínea antecedente. Na verdade, uma vez conhecida a interpretação da Administração Fiscal sobre esta matéria já não se justifica a protecção da boa fé, pelo que, no futuro já será exigível uma actuação conforme dos contribuintes, sem prejuízo das situações já constituídas.»

Ficamos a saber que a boa fé nas dúvidas da banca suspende aplicação de uma lei, e que cabe ao secretário de estado dos Assuntos Fiscais a avaliação das situações em que houve boa fé. Isto é, a partir de agora sempre que alguém inventar uma dúvida e “convença” o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de que está de boa fé, não só fica dispensado de pagar o imposto, como este só será exigível a partir do ano seguinte?

Com muito menos trabalho do que teve a escrever o comunicado, o ministro das Finanças teria escrito o despacho de demissão do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, só assim o Governo terá cara para exigir sacrifícios aos portugueses que mesmo fazendo sacrifícios não beneficiam destas facilidades.

E se o ministro das Finanças não o fez deve ser primeiro-ministro a fazê-lo! A bem da salubridade e transparência do Sistema Fiscal.